Ficções – O perigo de uma história única

"Náusea", de José Rufino

Estamos sempre contando histórias. Não  lembro o momento da minha vida em que respirei sem estar colecionando alguma. Talvez por isso, quando resolvi me inscrever no Projeto Novos Curadores, tenha escolhido falar de narrativa. Fui selecionada pelo júri desta iniciativa da Expomus com uma exposição chamada “Ficções”, que só será montada se eu sair vencedora de uma espécie de “finalíssima”, em que estou “competindo” com cinco excelentes outros candidatos.

Os seis curadores escolhidos vão ser também autores de um blog, que será abrigado a partir do fim de agosto no site do projeto. Abriremos para o público todo o processo de construção de uma mostra: escolha do recorte/tema da curadoria, escolha dos artistas, contato com eles, escolha das obras, desenho de montagem, textos.

Contaremos histórias. Ainda vou falar muito da mostra por aqui, até porque o público vai ajudar a escolher a exposição que vai ser montada no Paço das Artes…

Por enquanto, posso dizer que,  se “Ficções” virar verdade, vai abordar as fronteiras entre arte e narrativa – ou as formas encontradas pela arte contemporânea para se aproximar da narrativa: memória, verdades inventadas, apropriações de arquivos, de personagens e linguagens alheias.

É mais fácil perceber as histórias através das palavras, é claro. Não por acaso, roubei o título da exposição da literatura: “Ficções” é o antológico livro publicado por Jorge Luis Borges em 1944. Mas as artes visuais também costuram seus fios narrativos. Que o digam José Rufino, Marcos Chaves, Marilá Dardot, Nino Cais, Deborah Engel e Ronald Duarte, parte do elenco que convidei para participar desta aventura incerta, mas deliciosa. Vou ter meu momento  Arab-perseguindo-Moby-Dick ao montar uma exposição que não sei ao certo se será vista na linha do horizonte ou se será cidade invisível, reino das águas claras.

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Na semana passada, quando começava a nadar no mar de “Ficções”, estive em São Paulo em uma oficina de curadoria planejada por Márcio Haroum. Em sua participação, a gaúcha Gabriela Motta apresentou esta palestra da escritora nigeriana Chimamanda Adichie, que no Brasil conhecemos apenas por “Meio sol amarelo” (Companhia das Letras).  Já tinha visto Chimamanda numa leitura, quando ela foi convidada pela Flip de 2008 para vir lançar em Paraty a edição brasileira do romance, que mergulha a tragédia de uma família na sangrenta Guerra de Biafra.

Nesta palestra feita nos Estados Unidos, em 2009, ela alerta sobre “O perigo de uma única história”. Ou, o que é ainda mais enfático, sobre “O perigo de uma história única”.

Além de me ajudar nos caminhos para a exposição, o link da Gabriela foi fundamental para organizar os textos pendentes da vida prática – universidade, artistas, frilas – mas também os do mundo íntimo. Sempre é possível recomeçar uma história – ou encontrar o caminho para acabar com ela.

Vale a pena ver a palestra inteirinha, dividida nos dois vídeos abaixo.

6 thoughts on “Ficções – O perigo de uma história única

  1. ô se é. rsrs. aqui, ainda, pensando contigo, tentando repensar a bonitona Chimamanda: talvez mais respiráveis quando menos atadas às pompas da história, por essas e outras é que Rosa usava “estória”, deixando cair o h… não pra fazer disso uma nova regra, mas não deixa de fazer pensar nesse exercício de desonstrução do UM. Nele, G.R., certamente, via força da indecisão, “o sertão é e não é”, convivência de contrários no paradoxo, etc etc etc. BEIJO. L

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  2. Oi Daniela, a idéia de interrogar as arelações entre arte contemporânea e narrativa é interessantíssima, mas, perdão, vou me meter aqui: esse talk show da Chimamanda é problemático pra xuxu… Nem tanto pelo lugares-comuns, mas pelo modo como ela se auto-questiona. Ela comenta a desconstrução do próprio gesto (a ficção única e unívoca), bacana, mas faz isso de um modo tão posado, tão impostado, tão inflado, que o tremor da desconstrução fica sufocado sob a imponência do discurso, correndo o risco, bem de perto, de derivar para a arenga política, para um certo heroísmo da auto-crítica. Acho uma pena. Seria bom sentir esse auto-questionamento acontecer na performance, nos atos de palavra… beijos, L

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    1. Oi, Laura!
      Ao postar o link, sonhava com uma reação como a sua. 🙂 Acho que há mesmo prós e contras, mas é uma boa possibilidade de história, não? Beijos e obrigada por escrever!

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