Os bons urubus

Dois dos três urubus de "Bandeira Branca": viveiro ocupa todo o vão central do prédio da Bienal, com altura de três andares

São Paulo, esta cidade que tanto amo, realmente é um lugar estranho. Depois de a OAB paulista entrar com um pedido de proibição da série Inimigos, de Gil Vicente (lembre aqui), agora entidades ambientalistas da terra da garoa fazem protesto contra a presença de três urubus em Bandeira Branca, instalação de Nuno Ramos.  O conjunto de desenhos de Gil Vicente já tinha sido exposto em quatro cidades brasileiras, sem qualquer polêmica, que dirá uma ação da OAB, entidade que outrora defendeu os direitos dos cidadãos contra a censura e a ditadura militar. O trabalho de Nuno, por sua vez, tem autorização do Ibama e em 2007 ficou dois meses no Centro Cultural Banco do Brasil de Brasília, sem que o Planalto entrasse em cólicas por causa das aves.

Os urubus de Bandeira Branca nasceram em cativeiro, no Parque dos Falcões, em Sergipe,  que se dedica a curar aves de rapina machucadas. Nunca conheceram a vida ao ar livre e provavelmente morreriam se fossem lançados em um ambiente hostil, sem as defesas naturais que lhes foram roubadas muito antes de Nuno pensar em realizar este trabalho. O viveiro criado para eles na Bienal é muito maior do que o que possuem no Nordeste: ocupa todo o vão central do prédio criado por Oscar Niemeyer, e a altura dos três andares da Fundação Bienal.

O curioso é que a mesma São Paulo demorou demais a reagir a fatos realmente graves, como o massacre dos 111 presos do Carandiru. O “silêncio de São Paulo diante da chacina”, vocês devem lembrar, inspirou a canção Haiti, de Caetano Veloso e Gilberto Gil. O Carandiru foi, aliás, o mote de outro trabalho de Nuno Ramos, a instalação 111, belíssima em sua força.

A impressão é a de que existem dois grupos de urubus nesta história. Os reais, autorizados por quem de direito,  criam na Bienal um diálogo entre o trabalho de Nuno e as gravuras noturnas de Goeldi, uma referência que sempre assombrou e enriqueceu a obra do artista. As vozes de dona Iná e Arnaldo Antunes cantando Boi da cara preta, Carcará e, é claro, Bandeira Branca, reforçam uma atmosfera de pesadelo, de luto e de desencanto, que se casa perfeitamente com o tema proposto pela Bienal este ano.

Mas há os outros urubus, aqueles que querem tirar uma casquinha da carniça alheia, fazendo estardalhaço na mídia com as ideias dos outros.

Que morram de fome.

7 thoughts on “Os bons urubus

  1. daniela, respeito sua opinião e discordo do uso da violencia contra obras ou censura, mas seres vivos não são objetos, nem tampouco instrumentos de trabalho. Prefiro os urubus do Goeldi.

    animais não são pincéis, não podem ser “usados” em trabalhos, especialmente em trabalhos de arte, que não deveriam ser legitimadores dos absurdos do mundo.

    a diferença entre o trabalho do Cildo e do nuno é o que ja aconteceu: um dos homens que empurram a manivela do “abajour” se demitiu, algo que nenhum urubu poderia fazer.

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  2. […] A operação aconteceu por decisão da justiça, que atendeu a uma notificação do Ibama. A entidade, que tinha autorizado previamente a presença das aves, voltou atrás depois que a obra virou foco de polêmica e foi pichada no primeiro fim de semana em que a exposição foi aberta ao público (relembre aqui). […]

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  3. É apenas um mau exemplo para a sociedade civil, manter os urubus em cativeiro, dá a impressão de que é normal e aceitável que os animais vivam presos, quando o seu destino é traçado pela natureza, pela qual foram programados, e certamente não é natural que urubus ou qualquer outro tipo de ave seja confinada para gáudio e diversão das pessoas. Também não é natural manter animais em Zoológicos mas, os que já estão lá, não sobreviveriam mais se soltos nos habitats de origem. O protesto daqueles que não concordam com a presença dos urubus na obra do Sr. Nuno Ramos deve-se apenas ao respeito que sentimos por todos os seres vivos (e isso inclui o reino animal dito irracional), que queremos ver felizes, o que não nos parece estar acontecendo com os urubus, que estão com uma aparência muito tristonha e melancólica, e possivelmente não resistam até dezembro, que é quando se encerra a Bienal.
    Maria Hedwiges da Silva, Brasília/DF

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  4. Sao os oportunistas de plantao, aves de rapina que buscam sempre uma brecha para estarem na midia. Vao querer a interdicao dos zoos? Ah, isso nao, pq teria uma reaçao absurda da sociedade. Nuno esta tendo um reconhecimento aa altura de seu trabalho, e aì vira atracao para os oportunistas… Vale reler o poema Anedota Bulgara, do Drummond, em que o czar naturalista que caçava homens se espanta ao saber que matavam borboletas…

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  5. Daniela, o mais chato é a turma do “Não é arte”. Essa gente acha mesmo que tem o direito de sair por aí tutelando o trabalho de alguém. É gente que nunca ouviu falar em Nuno Ramos e por causa de uns urubus resolve bater o martelo sobre o que é arte ou não. O que é arte? O que agrada? O que se enquadra? Quando essa mentalidade tacanha vai acabar?

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