Só para os raros, só para loucos!

Trabalho de Adrianna Eu

Ah, os livros. Tão labirínticos quanto as cidades, eles nos levam até lugares que jamais imaginaríamos. Jorge Luis Borges, por exemplo, me conduziu até Hermann Hesse.  De Buenos Aires para a Suíça num pulinho. Ficções, a deslumbrante coletânea de contos do escritor argentino, foi a pedra fundamental de uma exposição homônima que desenvolvi para o projeto Novos Curadores, aqui em São Paulo, e até hoje não montei no “mundo real”.  Jaqueline Martins conheceu o desenho da mostra e intuiu a verdade sobre minha relação com a literatura.  Os livros são o meu chão e o meu berço, o refúgio para onde vou quando nada mais está fazendo muito sentido – e uma coisa dessas é mesmo difícil alguém conseguir disfarçar. Nunca tínhamos nos visto, sequer falado ao telefone, mas ela me convidou para uma conversa na galeria. Como ocorre na maioria absoluta das vezes, eu disse “sim, é claro”, e peguei um táxi em direção a Pinheiros.

"Como consertar um coração partido", de Louise D.D.: remédio cardíaco vira joia

Chegar ao número 74 da Dr. Virgílio foi como ouvir bandoneón no Café Tortone . Hum, fez sentido, pensei. Ou senti? Não importa. O livro que Jaqueline tinha sobre a mesa deu o reforço: O lobo da estepe (1927), de Hermann Hesse, que eu havia lido na adolescência, quando me achava bem mais inteligente do que me acho hoje. Em menos de 15 minutos, tínhamos o título: Só para os raros, só para loucos!, frase mais que importante no livro de Hesse, batizou a mostra que será inaugurada no dia 21, próxima terça-feira, a partir das 19h.

O texto do folder-convite segue abaixo.

Os artistas da mostra – Adrianna Eu, Alzira Fragoso, Azeite de Leos e Dudu Santos, do elenco da galeria; e Danielle Carcav, João Penoni, Julia Debasse, Louise D.D., Nara Amélia, Ni da Costa, Nino Cais, Patrizia D’Angello, Pedro Varela, Raul Leal e Ronaldo Aguiar, convidados da curadoria – esperam vocês lá. Eu e Jaqueline também.

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TEXTO PARA CONVITE DA MOSTRA

Só para os raros, só para loucos! é a frase que o protagonista do romance O lobo da estepe, Harry Haller, enxerga em todos os lugares depois que conhece o Teatro Mágico… E que personagens como Hermínia, Maria e Pablo entram na história como seus duplos, bagunçando suas certezas.

O livro escrito por Hermann Hesse em 1927 foi o ponto de partida para a reunião dos artistas desta mostra. Com linguagens muito diversas, eles têm em comum a interpretação enviesada e lírica da realidade que os cerca. Criam estados de suspensão e escapes e vez ou outra tangenciam imagens sintéticas, quase arquétipos. Elas nos oferecem uma espécie de colo universal, uma volta para casa, uma sensação de fraternidade, mesmo que dolorida.

Há reconhecimento, diria Jung. O psicanalista, aliás, nos leva de volta a Hesse: depois de uma crise emocional, o escritor passou a se consultar com um de seus discípulos, no mesmo período em que resolveu fazer uma viagem espiritual à Índia. A teoria arquetípica marcaria toda a sua obra a partir de então, inclusive O lobo, seu livro mais importante.

Os trabalhos expostos na galeria de modo algum interpretam ou ilustram o romance, até porque boa parte deles pré-existe à ideia desta montagem. Mas eles se aproximam do protagonista e da atmosfera criados pelo autor no que têm de delirantes e também desencantados com os mundos estéreis que os cercam. O de Harry Haller – espelho evidente de Hermann Hesse, até no H duplo das iniciais do nome – está localizado na Europa da década de 1920, arrasada pela Primeira Guerra. O nosso dispensa maiores apresentações: convivemos com ele e somos obrigados a lhe dar “bom dia” todas as manhãs. Cheio de imagens e vazio de conteúdo, ricocheteia rápido demais no olho, na cabeça, e de vez em quando causa fastio.

Só para os raros, só para loucos! fala deste enjoo e desta dor, mas também dos atalhos encontrados para se afastar deles, para virar a página. Como se fosse realmente possível existir vida inteligente e sadia em alguma galáxia muito, muito distante. Como se existisse, de verdade, a entrada para o Teatro Mágico.

Daniela Name, junho de 2011.

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