Fatos X covarde apócrifo

O trabalho de Spaniol para a Funarte, cuja primeira versão é de 2003

Recebi um e.mail no fim de semana que me deixou primeiramente intrigada, para, momentos depois, me deixar também revoltada. A mensagem, destinada a mim e ao querido Gilberto Abreu, autor do ótimo blog SuperGiba, foi enviada no dia 13 de agosto, sábado, às 9h50 da manhã, e era “assinada” por um pseudônimo, “Cópia ou Plágio”. O e.mail do remetente: copiaouplagio@gmail.com.

A obra de Spaniol para o Maria Antônia, em 2003

O autor se escondia covardemente atrás do pseudônimo para acusar José Spaniol de plágio. O artista, que venceu o Prêmio da Funarte,  inaugurou, no último dia 11, a intervenção Colunas, em que dialoga com o Palácio Capanema criando colunas falsas no prédio. Dizia o acusador que Spaniol plagiou a francesa Dominique González-Foerster. Em 2006, na Bienal de São Paulo, ela criou a mesma conversa com as colunas do prédio-pavilhão de Oscar Niemeyer no Ibirapuera.

Minha primeira reação foi ignorar a mensagem de “Cópia ou Plágio”. Mas depois imaginei que ele poderia ter mandado estas mesmas acusações para destinatários que talvez não sejam jornalistas, como eu e Giba, e por isso talvez acreditassem no conteúdo antes de apurar.

Sim, toda informação merece apuração e checagem, é isso que se aprende na faculdade de comunicação. Mas é isso que deve nortear, também, qualquer relação. Fofoca é ruim sempre, pior ainda quando é irreal. Neste meio cultural em que cada um tem se transformado em editor de conteúdo através das redes sociais e dos grupos de mensagens, eu e Giba talvez tenhamos uma pequena vantagem – e ela reside no fato de que sabemos lidar com informação. A condição básica do bom jornalista é verificar, apurar. Se for necessário acusar, é preciso fazer isso ouvindo a parte atacada, mesmo diante de um manancial de provas contra ela. Este post, então, é uma tentativa de combater a covardia apócrifa com informação checada e assinada, porque o perigo desta mensagem não é o seu conteúdo, e sim a atitude de quem a enviou.

A intervenção de Dominique Gonzalez-Foerster na Bienal de SP em 2006
Outra intervenção de Dominique, na passarela que liga o prédio da Bienal ao MAM de SP, feita também em 2006

Aos fatos:

A semelhança das imagens é enorme (a de Dominique está acima, a de Spaniol no topo do post), mas aparência, no mundo contemporâneo, não é a única condição para uma coincidência de projetos. Ainda que o projeto e a intenção dos artistas fossem idênticos, seria preciso, depois da checagem, ouvir as partes citadas. Nada disso é necessário, no entanto, já que a história dos fatos caminha em outra direção e é possível tirar a base da acusação com gestos simples.

José Spaniol, com quem nunca falei – na verdade, embora conheça seu trabalho, sequer sei como é sua aparência física – fez pela primeira vez o trabalho Colunas em 2003, no Centro Universitário Maria Antônia, em São Paulo. Três anos antes, portanto, da participação de Dominique González-Foerster na Bienal a que “Cópia ou Plágio” se refere.

Assim como está claro, pela sequência natural dos fatos, que Spaniol não plagiou Dominique, para mim também parece evidente que ela, uma artista magnífica, não copiou seu colega brasileiro. Há aí uma coincidência, alavancada, talvez, pela sedução natural que o vão livre e os pilotis da arquitetura moderna provocam em qualquer artista que lide com o espaço expositivo.  Mas o resultado é diferente: Dominique cria uma espécie de labirinto ou floresta, em que pilares construídos são erguidos em torno de outro, “verdadeiro”. Já Spaniol une pilares “falsos” e “verdadeiros” de modo equivalente, modulando o espaço em outro ritmo e com outras intenções. No caso do Maria Antônia, a intervenção do artista, inteligentíssima, era ainda uma forma de driblar duas colunas bastante incômodas que interferem em qualquer montagem na sala principal do Centro Universitário, em Higienópolis. E ele fazia isso incorporando-as ao seu trabalho.

Não é cópia, não é plágio – esta é a certeza depois da apuração e da checagem.

Uma outra certeza: quem quer que esteja por trás deste e.mail é um covarde frustrado, provavelmente um artista, crítico ou outro profissional ligado a arte com carreira medíocre e invisível. Tanto é assim que, Freud explica, ele (ou ela) se esconde novamente sob o manto da invisibilidade para atacar quem conquista seu lugar graças ao suor e ao talento. “Cópia ou Plágio” parte ainda do princípio que o brasileiro copiou a estrangeira – uma mentalidade tacanha, pequena e deslumbrada, convenhamos.

Opiniões e suspeitas devem ser ditas às claras em qualquer debate que se pretende produtivo.

Lanço aqui uma hipótese que não pretendo apurar, até porque não posso, pois não sei quem é o autor da mensagem. “Cópia ou Plágio” deve ter uma vida realmente muito tediosa. Do contrário, não se daria ao trabalho de mandar uma acusação destas num sábado pela manhã. Estaria certamente curtindo a praia, os amigos e as boas exposições em cartaz no Rio e em São Paulo neste dia de folga, num ensolarado inverno.

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Para conhecer o ótimo site em que Spaniol apresenta seu trabalho, clique aqui.

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Abaixo, a foto do e.mail de “Cópia ou Plágio” em minha caixa postal.

19 thoughts on “Fatos X covarde apócrifo

  1. Mandou bem, Daniela! Qualquer um pode dizer o que pensa, mas, acreditar no que se houve (vê ou lê) depreende inteligencia e cumplicidade.

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  2. Não muito tempo atrás o Raul Mourão em seu blog fazia certas comparações de algumas obras e as postava para comparação. Mas nesse caso aí , site specific, não tem nem o que discutir, locais diferentes significados distintos só isso já bastaria, agora o que impressiona é a perda de tempo do indivíduo.

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  3. Prezada Daniela,

    acabo de ler seu texto. Nos dias de hoje, não é muito frequente presenciamos atitudes nobres e responsáveis como a sua, movidas pela ética e não por interesses pessoais. Posturas como a sua nos defendem contra a ignorância, desde sempre a responsável pela maioria das desgraças que vemos. Muitíssimo obrigado. Eu também fiquei chocado com a acusação leviana e covarde. Me surpreendeu a lógica de assaltante: atacar e voltar correndo para a sombra.
    Como você, também acho os trabalhos muito diferentes. Quando vi a instalação de Dominique González-Foerster na Bienal de São Paulo de 2006, esperei que alguém se manifestasse, seria uma ótima oportunidade para se discutir as proximidades entre os trabalhos. Foi uma pena que isso não tenha acontecido.
    No meu caso, penso que as colunas ajudam a ver o espaço, como se fossem somente um artifício para nos depararmos com o vazio da sala. Procuro de alguma forma que a matéria empreste sua visibilidade para o ambiente, criando para o olhar uma relação tátil com o espaço. As colunas, matéria principal da instalação, talvez sejam apenas o pretexto para nos depararmos com o vazio em torno delas.
    Um grande abraço, até breve,
    José Spaniol
    PS: agradeço a todas as manifestações de solidariedade e indignação.

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    1. José,

      Acredito mesmo que seu trabalho e o da Dominique vão em direções muito diversas. E isso é o que é lindo na arte. A partir de um mesmo elemento, uma mesma situação, um artista pode tomar um caminho completamente diferente daquele que um outro artista traçaria. Isso já seria o suficiente para eu tentar escrever algo no blog a partir do momento em que recebi o tal e.mail.

      Mas o que me incomodou foi a leviandade de uma mensagem apócrifa, porque isso pressupõe um medo da discussão. Além disso, pressupõe também um dos três caminhos: 1) o remetente realmente é ignorante e não sabe a que horas o galo cantou – nem que seu trabalho existia antes do da Dominique, nem que são diferentes. Apenas se apegou à aparência e, num impulso, resolveu escrever. 2) o remetente é de fato vil, sabia de tudo, mas esperava que eu embarcasse numa canoa furada e replicasse sua mensagem no blog. Confiava, assim, na minha ignorância. 3) o remetente é de fato vil, confiava na minha ignorância, mas também, não sabe direito onde a banda toca.

      Infelizmente, acho a 3a hipótese – a pior de todas – a mais provável.

      Mas tenha certeza de que os bons artistas como você saem fortalecidos de um episódio como este.

      Um forte abraço!

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      1. Pra mim, a resposta certa é “todas as anteriores”.
        Principalmente pelo Sr. Copia ou Plágio perder tempo não somente para escrever absurdos mas também criar uma conta de e-mail para atacar um artista consagrado.
        Se tivesse tão certo de sua acusacão, não precisaria se esconder.
        Se tivesse dúvida a respeito de sua denúncia, enviaria um email particular para sua apuração.

        Mas, enfim, existem pessoas frustradas que veem sucesso na derrota dos outros já que não conseguem as suas próprias, e pessoas piores ainda que precisam derrubar os outros para ter alcançar essa vitória. E o Sr. Cópia ou Plágio claramente é um desses.

        Dani, parabéns pela publicação de sua resposta ao e-mail.
        Spaniol, parabéns pela obra e pelo comentário ao post.
        Continuem assim e boa sorte!
        Abs, Quim

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  4. Ma fé, ingenuidade ou pouca informação por parte do acusador-denunciante? Nunca saberemos, imagino, e a essa altura pouco importa.
    Quanto ao trabalho do Zé, conheço bem – e por acaso o texto pra citada expo dele no MariAntonia foi meu. Aliás, está aqui no Artonauta, http://artonauta.wordpress.com/page/2/
    [aproveitando pra puxar a sardinha pro meu blogue, uhuh]

    Abs,
    Guy A.

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  5. Dani, eu também recebi este email (para o Cubo Branco ação em arte), num horário um pouco mais tarde do que o seu, o que me leva a pensar que a “entidade” depois de enviar para você e o Gilberto, deve ter mandado para mais pessoas.
    Minha reação foi: achei uma bobagem, e ignorei. Mas vc está certa em denunciar, e você tem os meios e o público para isso. Fico feliz que o tenha feito.
    Eu tenho PREGUIÇA com este tipo de atitude. Está claro que é um (entre muitos) caso de coincidência, as ideais estão no ar, às vezes são captadas por mais do que uma pessoa!
    Por exemplo, hoje mesmo vi um lindo trabalho do Marcius Galan de 2004 (Foco) que é muito parecido com uma série minha (Paisagem Visitada), iniciada em 1999. Eu lá perdi tempo em achar que ele me “copiou”? Claro que não! Fiquei foi feliz em ver esta simultaneidade de ideias, ainda mais se tratando de um artista bacana como o Marcius. E ainda por cima, os trabalhos podem ter uma visualidade similar, mas foram originados por questões muito diversas.
    Espero que esse frustrado vá cuidar da própria vida, ou que se revele em público, para ao menos deixar de ser um covarde encoberto por um alias.
    Lembrei agora que o blog do Raul Mourão tem uma seção chamada “Influenza?” que é justamente sobre estas simultaneidades de ideias.
    beijos!

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  6. Ridículo saber que alguém queira rebaixar um artista integro e de ótimo pensamento como Spaniol. E o maior perigo foi comentar com quem tem um grande relacionamento com o mundo das artes nacionais. Zero pro “Cópia ou Plágio”, o veneno voltou pra sua própria língua. Covardia foi não ter assinado seu próprio nome, mostra que não tinha muita certeza.

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    1. Resolvi escrever, Narita, justamente porque tenho um veículo que pode ser lido por outras pessoas que tenham porventura recebido esta mesma acusação covarde, mentirosa e absurda. beijos, divulgue!

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  7. Inacreditável que alguém faça uma acusação dessas sem mostrar a cara….covardia pura!!
    Daniela, parabéns pela postura e pela apuração dos fatos!!

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  8. sem querer colocar lenha na fogueira (mas já colocando, porque é divertido), recentemente um jornalista de São Paulo fez algo similar via twitter. a diferença é que ele deu um tom irônico à “denúncia”, mas partia do mesmo princípio.

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